Congresso e empresas reagem à suspensão da desoneração da folha
29 de abril, 2024
A decisão liminar do ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF), de aceitar um pedido da Advocacia Geral da União (AGU) e suspender a prorrogação da desoneração da folha de pagamento de 17 setores e dos municípios gerou reação do parlamento e de empresários. Segundo o movimento Desonera Brasil, dados do Caged sobre emprego formal mostram que, nos 17 setores, a ocupação subiu 19,6% desde janeiro de 2019, contra 14,3% nos outros segmentos. E o salário médio é 12,7% maior.
Após o ministro Fernando Haddad cobrar do Congresso responsabilidade fiscal, em entrevista ao jornal “Folha de S. Paulo” publicada no sábado, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), reagiu horas depois dizendo que a advertência feita pelo titular da Fazenda é “desnecessária” e “injusta”. O Desonera Brasil afirma que a criação de empregos e melhores salários com o modelo tributário dos 17 setores gera R$ 19,4 bilhões de arrecadação adicional, entre IR e contribuição previdenciária dos funcionários, FGTS e 1% de alíquota adicional de Cofins Importação.
A prorrogação da desoneração da folha foi judicializada pelo Executivo na quarta-feira, por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) impetrada pela AGU com medida cautelar, e, no dia seguinte, Zanin concedeu a medida liminar.
Haddad sustentou que o governo encaminhou projetos de lei mirando um ajuste fiscal, mas o Legislativo desidratou os textos. “Uma coisa é ter responsabilidade fiscal, outra bem diferente é exigir do Parlamento adesão integral ao que pensa o Executivo sobre o desenvolvimento do Brasil”, reagiu Pacheco em nota.
A decisão também está repercutindo na Câmara dos Deputados. Aliados do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), e lideranças do Centrão disseram ao Valor que a expectativa é que a relação entre Executivo e Congresso volte a piorar, apesar de uma recente melhora no ambiente com as negociações sobre o Perse e o envio pelo governo do primeiro projeto de lei da regulamentação da reforma tributária.
Neste domingo, na Agrishow em Ribeirão Preto (SP), o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, defendeu diálogo sobre a questão entre o governo e o Congresso. “O que caracteriza o governo do presidente Lula é o diálogo”, disse, segundo a Agência Brasil. “A responsabilidade fiscal é um compromisso de todos e o caminho é o diálogo”, afirmou.
Na sexta-feira (26), Pacheco já havia apresentado um recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo que Zanin reconsiderasse a decisão liminar. O senador rebateu o argumento de que a lei é inconstitucional por não apresentar impactos orçamentários, expondo que as estimativas de impacto foram debatidas no Congresso e a renúncia fiscal do programa, em vigor desde 2011, já é conhecida.
O modelo de desoneração da folha de pagamentos de setores da economia é de substituição tributária, mais adequada a setores intensivos em mão de obra. Nele, esses segmentos podem substituir a contribuição previdenciária de 20% sobre salários por alíquota que varia de 1% a 4,5% incidente sobre a receita bruta. Os setores atingidos pelo programa empregam cerca de 9 milhões de pessoas.
O caso foi levado ao plenário virtual do STF e, até o momento, o placar está 5 a 0 para acompanhar Zanin e suspender a desoneração. O ministro Luiz Fux, porém, pediu vista e terá até 90 dias para devolver o caso ao plenário. Até lá, fica válida a liminar de Zanin - ou seja, a desoneração da folha segue suspensa.
As empresas que mais empregam voltam a ter que seguir as regras do regime tributário comum já em maio, na avaliação de membros do governo e de especialistas em direito tributário ouvidos pelo Valor. “Dado o fato de ser uma decisão judicial e não uma nova lei, ela se aplica de forma prospectiva e imediata”, interpretou a advogada tributarista Luciana Aguiar.
Há divergências, contudo, em relação à aplicação da chamada “noventena” a partir da decisão de Zanin. Esse princípio determina que o governo cobre o tributo somente depois de 90 dias da lei que o instituiu ou o aumentou. “A decisão judicial equivale à revogação de um benefício. É preciso proteger a segurança jurídica dos contribuintes, e isso se faz com, no mínimo, o respeito à anterioridade nonagesimal”, considerou o advogado tributarista Breno Vasconcelos, professor do Insper.
Entidades empresariais reagiram contra a liminar.
A Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit) em nota divulgada nesta sexta-feira (26) afirmou que “as empresas, embasadas na promulgação soberana de uma lei pelo Congresso, já fizeram investimentos, contrataram pessoas e se planejaram para um ambiente regulatório, até 2027, no qual os custos trabalhistas referentes à contribuição previdenciária patronal seriam menores”. A entidade representa setor que emprega cerca de 1,5 milhão de trabalhadores formais.
Vivien Mello Suruagy, presidente da Federação Nacional de Call Center, Instalação e Manutenção de Infraestrutura de Redes de Telecomunicações e de Informática (Feninfra), avalia que a liminar trará perda de credibilidade ao país. “Estamos em choque com essa decisão, que vai estimular a quebra de empresas e causar demissões”, afirmou Vivien.
“A desoneração já existe há mais de dez anos, foi aprovada pelo Congresso e criada pelo próprio governo que está questionando. Essa questão está mais do que fundamentada”, afirmou Flavio Roscoe, presidente da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg).
Segundo o presidente da Central dos Sindicatos Brasileiros e do Sindicato dos Trabalhadores em TI de São Paulo, Antonio Neto, “o ímpeto do governo em acabar com a desoneração acumulando derrotas políticas, vetos derrubados e crises, levou a judicializar uma matéria que já havia sido acordada com o parlamento”.
Em nota ainda na quarta-feira, antes da liminar, o presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, já lamentava a iniciativa do governo de judicialização.
Fonte: Valor Econômico Foto: Divulgação