02 de março, 2020
Uma das razões para a baixa produtividade da economia brasileira é a precariedade de nossa infraestrutura. Com o governo sem recursos, os investimentos têm de ser feitos através de concessões ao setor privado.
Felizmente, o atual governo parece ter entendido que precisamos de leilões competitivos, com a participação de estrangeiros e nacionais, forçando o aumento da competição de forma a elevar a eficiência dos investimentos e evitar a cartelização e a corrupção que se instalaram entre as grandes construtoras nacionais.
Também entendeu que é preciso ter agências reguladoras dirigidas por profissionais capacitados e politicamente independentes, para evitar a exploração do poder de mercado decorrente da inevitável criação de monopólios naturais, e que exerçam a necessária vigilância sobre a qualidade dos serviços prestados.
O caminho foi facilitado pelo ressurgimento do mercado de capitais, devido à eliminação dos subsídios ao crédito por parte do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Uma das especializações do governo Rousseff foi elevar os riscos regulatórios, como ocorreu com a MP579 e com a suspensão da cobrança de pedágios sobre os eixos suspensos dos caminhões. Na impossibilidade de defender-se deste risco, os participantes dos leilões tinham de lutar por taxas de retorno mais elevadas, que eram impedidas pelo esdrúxulo tabelamento imposto pelo governo, tornando inevitável que fossem “compensados” com subsídios através dos empréstimos do BNDES. Com a eliminação do risco regulatório, os participantes dos leilões têm de se preocupar apenas com os riscos gerenciáveis, que são inerentes ao seu negócio, e dos quais sabem defender-se.
Um elemento decisivo para o sucesso deste novo formato é a queda da taxa real de juros de longo prazo. Ela não se deve apenas à luta do Banco Central para fechar o hiato negativo do PIB (Produto Interno Bruto) e trazer a inflação de volta à meta, mas também à queda contínua da taxa neutra de juros, que se acentuou recentemente devido à expectativa de que o governo prossiga aprovando reformas que levem ao cumprimento do compromisso com o teto de gastos. Esta não é uma regra fiscal autoaplicável, e seu cumprimento depende da aprovação de reformas. Progredimos ao aprovar a reforma da Previdência, e espero que tenhamos sucesso na aprovação de uma reforma administrativa, mas como ambas são insuficientes outras ações são necessárias, como a aprovação da PEC emergencial atualmente em discussão no Congresso. Qualquer erro que coloque em risco o cumprimento do teto de gastos terá consequências muito negativas sobre a política monetária, elevando os prêmios de risco nas taxas de juros mais longas, obstruindo o recém-aberto canal dos empréstimos de longo prazo, e impedindo o sucesso da recuperação cíclica da economia brasileira.
É devido às baixas taxas de juros de longo prazo que vem ocorrendo um aumento, ainda pequeno, da demanda por imóveis. É também devido à abundância destes recursos fornecidos a taxas de juros baixas que os vencedores – nacionais e estrangeiros – dos leilões de infraestrutura poderão financiar seus investimentos.
Como se sabe, nos investimentos em infraestrutura a componente de equity é muito pequena, com um predomínio – por larga margem – do financiamento através de dívida. Como as receitas das concessões são integralmente em reais e como atualmente o mercado de capitais é capaz de fornecer recursos abundantes em reais, os estrangeiros que vencerem os leilões não terão de se preocupar com o risco do descasamento de moedas, podendo contribuir para o aumento da competição e da eficiência na construção e administração da infraestrutura. No entanto, se for cometido o erro de derrubar esta estaca que sustenta o programa de investimentos em infraestrutura, todo o castelo virá abaixo.
É por isso que vejo com grande preocupação a pressão para que seja criado um fundo com os recursos vindos das outorgas, que ficariam fora do teto de gastos, sendo destinado integralmente aos investimentos em infraestrutura. Uma exceção puxa outra, e sua aprovação seria um golpe mortal na expectativa de cumprimento do teto de gastos, o que acarretaria sensível elevação da taxa real de juros de longo prazo, abortando a sequência de ações que vêm criando um ambiente favorável para os investimentos em infraestrutura.
A infraestrutura não precisa desta ideia errada, mas apenas de boas regras, e espero que o governo a bloqueie e prossiga na rota que vem seguindo até aqui.
Affonso Celso Pastore* - EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA A.C. PASTORE & ASSOCIADOS. ESCREVE QUINZENALMENTE
Fonte: O Estado de São Paulo Foto: PEXELS (CC)/Aleksejs Bergmanis