Tecnologia que otimiza uso de máquinas agrícolas reduz custos no campo e se aplica a estradas
17 de maio, 2023
A ideia de ajudar o agricultor a produzir mais alimentos com menos custos rendeu frutos a uma startup de Curitiba focada em tecnologia para o agronegócio. A empresa criou uma solução que usa internet das coisas (IoT) para fazer um raio-x de máquinas agrícolas e gerenciar as necessidades de manutenção dos equipamentos. Os resultados alcançados no campo foram tão promissores que a tecnologia passou a ser aplicada a caminhões e usada para otimizar a manutenção de estradas rurais.
O dispositivo desenvolvido pela IoTAG, empresa que nasceu em 2018 na capital paranaense, tem patente brasileira e alcança mais de mil unidades em funcionamento, inclusive internacionalmente. Um equipamento eletrônico que é acoplado ao conector de energia da colheitadeira ou trator, por exemplo, e que envia informações via internet com os dados do maquinário para um software. “Focamos em dados de manutenção da máquina, alarmes, se precisa revisão, consumo de combustível, entre outros”, explica o CEO da startup, Jorge Leal.
Com os dados em mãos, o gerenciamento das manutenções fica mais fácil. E máquinas bem mantidas significam menos custos. “Você passa a descobrir a saúde da máquina antes que ela quebre”, afirma Leal. Usando técnicas de inteligência artificial, o monitoramento é feito a partir da coleta de um grande volume de dados das máquinas, que são transformados em informações palpáveis para os gestores. “O dono das máquinas consegue ver num simples gráfico o quanto ele está perdendo ou ganhando em dinheiro.”
O objetivo é fornecer a informação precisa sobre o equipamento para obter o melhor desempenho. E desempenho, neste caso, vai de acordo com a expectativa de cada produtor, que pode ser economia de combustível, maior produção ou ganho de tempo com as máquinas agrícolas. “A ideia é maximizar o desempenho conforme o objetivo”, especifica o CEO.
Algumas empresas buscam a solução por conta das políticas ESG (da sigla em inglês Environmental, Social and Governance, relativa às políticas de sustentabilidade e governança das corporações), quase sempre demandadas por relatórios de emissões de carbono para investidores. “Quando se consome menos combustível fóssil para a operação agrícola, diminui a pegada de carbono. E quem vê isso na prática consegue mensurar os resultados.”
Solução brasileira para o agro mundial
Além do Brasil, os equipamentos da IoTAG são usados em países como Estados Unidos, Chile, Argentina e a empresa também começa a fornecer para a Europa. “O agro brasileiro é considerado referência mundial em tecnologia e muitos países vêm buscar no Brasil soluções como essa”, conta Jorge Leal.
A instalação dos equipamentos, segundo os desenvolvedores, dá retorno do investimento em seis meses. E o monitoramento segue com uma mensalidade, sendo o cliente um assinante do software que permite a gestão das informações. A solução é única no mundo e atende principalmente a grandes players do agronegócio.
Entre eles, a Raízen, maior produtora brasileira de etanol e responsável por gerenciar uma das maiores operações agrícolas do mundo, com cerca de 1,3 milhão de hectares de terra cultivada. A IoTAG foi escolhida para participar de um programa de inovação aberta da companhia e responder ao desafio de aprimorar o desempenho da frota agrícola nas plantações. Junto com a Case IH, marca da CNH Industrial de maquinário para o campo, as empresas desenvolveram um projeto-piloto testando o equipamento em 46 tratores utilizados nas plantações de cana-de-açúcar da empresa no interior de São Paulo.
O sistema captava as informações dos veículos em tempo real e antecipava as necessidades de reparos das máquinas. “A IoTAG aumentou em 91% o ganho de assertividade no diagnóstico de falhas dos componentes monitorados. O tempo de parada de cada trator foi reduzido de 2h12min para 12 minutos”, explica o gerente de Manutenção Automotiva da Raízen, Gabriel Borges – referindo-se ao tempo gasto com diagnósticos e reparos por falhas decorrentes nos componentes monitorados.
O resultado ampliou o uso da tecnologia e, hoje, a Raízen utiliza o sistema de telemetria em 200 máquinas agrícolas em bioparques dos estados de São Paulo, Goiás, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul. “Com mais informações em tempo real, é possível identificar, por exemplo, se algum equipamento apresenta anomalia no consumo de combustível”, acrescenta Borges.
A ideia é disseminar o sistema entre mais empresas e produtores rurais. Ricardo Campo, coordenador de inovação digital da Raízen e gestor do Pulse, hub de inovação aberta da empresa, conta que a IoTAG é uma das 58 startups que se tornaram parceiras no desenvolvimento de soluções para os negócios. “Esse movimento vem produzindo cases em diferentes áreas, propondo soluções inovadoras para controle avançado de operação em caldeira, pulverização e imageamento por drone, gestão de créditos de geração distribuída e imageamento de plantio por meio de drones, para detecção de falhas de plantio, entre outras.” Um claro sinal de que a tecnologia quase sempre ajuda a dar passos além do planejado.
Do campo para estradas não pavimentadas
No caso da IoTAG, o desempenho nas lavouras acabou virando oportunidade para estender o uso do sistema a outras frentes. Em 2021, também por meio de um programa de inovação aberta, a IoTAG foi escolhida pela multinacional sueca LOTS Group para testar os equipamentos em parte da frota de caminhões da empresa. A companhia atua com operações logísticas para setores do agronegócio, mineração, rodoviário e florestal.
“Nossa principal necessidade era ter uma melhor gestão da manutenção de estradas não pavimentadas das nossas operações. Precisávamos ter mais conhecimento sobre os trechos críticos para programar as manutenções necessárias e otimizar as horas de trabalho do maquinário”, conta o gerente de Operações da filial latino-americana da empresa, Juliano Basseto. “Embora na época (a IoTAG) ainda não contemplasse uma solução focada em estradas, a plataforma para maquinário conectado apresentava bastante sinergia com o que buscávamos”, lembra.
A tecnologia foi testada durante seis meses na operação de transporte de cana-de-açúcar da empresa em Sandovalina, interior de São Paulo. Com resultados validados, a solução se estendeu para outras operações e hoje é utilizada em 5 rotas de transporte de cana e madeira, com previsão de expansão para mais duas operações ainda neste mês de maio.
Funciona da seguinte maneira: um sensor instalado nos caminhões coleta e processa informações da telemetria do veículo para identificar a condição da via. Ao identificar anomalias por meio de vibração do equipamento, são enviados alertas para a torre de controle da operação, a depender do grau de severidade.
“Os trechos pré-mapeados são classificados a partir do índice de incidência de anomalias, que contempla a severidade das anomalias vezes a frequência em que o trajeto é percorrido”, explica Luiz Guilherme Ferreira, responsável pelo desenvolvimento da IoTAG na LOTS Group. “Assim, o profissional responsável pela manutenção das estradas prioriza os trechos a serem reparados e programa a execução dos serviços”, complementa.
Os resultados, segundo Ferreira, foram redução nas horas de manutenção com trabalho de máquinas, diminuição do tempo de ciclo de viagem dos caminhões e redução de consumo de combustível. “Além da diminuição em 19% do custo de manutenção de vias e otimização do fluxo de transporte das operações”, contabiliza.
O gerente de Operações, Juliano Basseto, acrescenta que a tecnologia vem permitindo também otimizar as condições das vias trafegadas, mapear pontos críticos, identificar preventivamente trechos passíveis de manutenção e educar o perfil de condução dos veículos em função da condição da via. “Com frentes de carregamento simultâneas em trajetos diferentes, nem sempre elegemos corretamente o trecho prioritário para manutenção, mas com o mapa de anomalias podemos ver os pontos críticos a priorizar. Além disso, o controle das horas de trabalho permite gerenciar os custos da manutenção de forma eficiente”, detalha.
O próximo passo é incluir uma função no sistema que permitirá gerir a performance dos motoristas em tempo real. Para Jorge Legal, da IoTAG, o caminho pela frente é promissor, já que a condição das estradas afeta a manutenção dos veículos. E veículos bem mantidos são, consequentemente, menos onerosos.
Questionado se a tecnologia poderia ser usada também no segmento rodoviário, Leal explica que sim, porém já existem soluções de mercado em âmbito global dedicadas à manutenção de estradas asfaltadas – o que tornaria o sistema pouco competitivo.
“O nosso diferencial é usar o algoritmo para entender o comportamento de qualquer veículo que roda sobre o chão. E as estradas sem asfalto, ainda bastante comuns no Brasil, quase não têm gestão que garanta manutenção adequada.” Um horizonte de milhares de quilômetros em potencial.
Fonte: Gazeta do Povo/ Ligia Martoni Foto: Divulgação Lots