Petrobras diz vender “gasolina carbono neutro”. Mas há problemas por trás da propaganda
30 de outubro, 2023
O motorista que abastece o carro em postos da Petrobras talvez já tenha se deparado com os novos anúncios de sua gasolina "premium", chamada Podium. Se antes o foco era no desempenho, agora a propaganda destaca que ela é a única "gasolina carbono neutro" do país.
O frentista explica que o combustível foi criado para carros de alta performance, embora possa abastecer qualquer veículo. Junto com a alta octanagem, que permite maior aproveitamento da potência do motor, a redução nas emissões de gases de efeito estufa passou a ser argumento para justificar a diferença de preço. Em São Paulo, por exemplo, a Podium custa uns R$ 2,60 a mais por litro que a gasolina comum.
A opção soa interessante nas palavras do funcionário, não fosse um detalhe: o projeto do qual a Petrobras comprou créditos de carbono para neutralizar as emissões relacionadas à gasolina Podium tem problemas na documentação da posse das terras e registros de desmatamento.
Trata-se de um projeto localizado no município de Feijó, no Acre, chamado Envira Amazônia. A área total da iniciativa é de pouco mais de 39 mil hectares, dos quais 570 hectares – algo como 800 campos de futebol – foram destinados especificamente à compensação das emissões da gasolina premium da Petrobras. Segundo a empresa, os créditos correspondem à neutralização de 175 mil toneladas de gases de efeito estufa.
Porém, antes mesmo de a Petrobras anunciar a compra dos créditos, a certificadora do projeto, uma organização norte-americana sem fins lucrativos chamada Verra, já havia negado a renovação da certificação. E a própria Verra, que inicialmente atestou a geração de créditos de carbono pelo projeto, enfrenta questionamentos no Brasil e no exterior.
A Verra é a maior organização mundial em certificação de créditos de carbono. Entre seus clientes estão Disney, Shell e Gucci. Porém, sua credibilidade vem sendo balançada desde o início do ano, quando vieram a público estudos dizendo que seus resultados não são legítimos. A empresa rebate. Questiona as metodologias dos estudos e afirma que as conclusões deles são incorretas.
Os estudos foram revelados pelo jornal britânico The Guardian em janeiro. Eles concluíram que mais de 90% dos créditos de compensação de florestas tropicais de projetos certificados pela Verra em vários países são provavelmente "créditos fantasmas". Ou seja, não representam reduções genuínas nas emissões de carbono.
No Brasil, onde certifica 228 projetos, a Verra também enfrenta objeções. Depois de certificar o Envira Amazônia, do qual a Petrobras comprou créditos de carbono, a empresa teve de negar a renovação de licença do projeto ao tomar conhecimento de inconsistências na documentação das terras e nos dados sobre desmatamento na área.
Recentemente vieram a público problemas em outro estado amazônico, em uma área que fica no Pará, a mais de 2 mil quilômetros do projeto Envira. A Defensoria Pública do Pará entrou com ação contra empresas e pessoas referente a projetos certificados pela Verra, sob a alegação de que usam áreas desmatadas, públicas e de assentamentos.
A despeito das indagações que põem a credibilidade da Verra em xeque desde o início do ano e da não renovação da licença do projeto em maio, a Petrobras anunciou em setembro a compra de créditos de carbono do Envira Amazônia.
Em seu Plano Estratégico, a estatal prevê investimentos de até US$ 120 milhões em aquisição de créditos de carbono para os próximos quatro anos. A companhia não revela quanto gastou com o Envira.
"Para o primeiro ciclo de neutralização da Gasolina Petrobras Podium foram adquiridos créditos de carbono gerados pelo projeto Envira Amazônia do tipo REDD+ (Redução de Emissões Provenientes de Desmatamento e Degradação Florestal), ou seja, sua contribuição é evitar o desmatamento, oferecendo alternativa de emprego e renda às comunidades locais para que mantenham a floresta em pé", diz o "disclaimer" (aviso legal) da gasolina Podium.
"Os créditos de carbono adquiridos possuem certificação padrão VCS (Verified Carbon Standard) da Verra, uma das maiores certificadoras do mercado voluntário de carbono no mundo", prossegue o texto.
Fonte e Foto: Gazeta do Povo Foto: Raphaela Ribas