País tem cada vez mais rodovias “privadas”, mas modelo dá sinais de desgaste
18 de julho, 2022
Os investimentos em rodovias somaram R$ 28,64 bilhões em 2021, com forte crescimento de 27,2% em termos reais (já descontada a inflação). Para 2022, a perspectiva é mais tímida, de crescimento de apenas 3%, chegando a R$ 29,47 bilhões, segundo a consultoria Inter.B. E quem vai puxar essa expansão, a exemplo de anos anteriores, é o setor privado.
A participação das empresas privadas nesse tipo de investimento está crescendo. Era de 28,1% do total em 2019, e deve chegar a 31,2% neste ano. A forte expansão do ano passado foi alavancada pelo avanço dos investimentos relacionados à quarta rodada de concessões, realizada ainda em 2018.
O setor público, por sua vez, se retrai cada vez mais. Em termos reais, o investimento público federal em rodovias caiu 22,6% no ano passado, e para este ano os gastos autorizados no Orçamento encolheram 4,1%, aponta a Confederação Nacional do Transporte (CNT).
A tendência de expansão privada e retração pública tende a se manter nos próximos anos, uma vez que o foco do governo de Jair Bolsonaro foi justamente o de acelerar as concessões de rodovias – e a maioria dos desembolsos ainda será feita – em meio à escassez de recursos públicos para investimentos.
A realidade dos estados é diferente. A consultoria estima que os investimentos feitos pelas unidades da federação em rodovias cresceram 68,5% no ano passado. O cenário foi atípico, com alta forte na arrecadação – principalmente do ICMS – e controle das despesas com pessoal. Para 2022, a previsão da Inter.B é de que os desembolsos estaduais fiquem estáveis em relação a 2021.
A diferença entre o investimento público e o privado nas rodovias
Em uma análise de prazo mais longo, a Confederação Nacional do Transporte (CNT) mostra que o investimento federal e o concessionado em infraestrutura de transporte rodoviário vêm caindo desde 2016. Há uma redução tanto dos valores totais, quanto no montante investido por quilômetro.
No sistema público federal, houve retração real de quase 47% no investimento por quilômetro, que passou de R$ 204,2 mil em 2016 para R$ 109 mil em 2021. O total investido caiu de R$ 10,9 bilhões para R$ 5,8 bilhões no período.
Enquanto isso, nas concessionadas, que abrangem rodovias federais e estaduais, a redução no investimento por quilômetro foi de 30% entre 2016 e 2020 (dado mais recente), quando atingiu R$ 320,4 mil. Em 2016, as rodovias concessionadas tinham recebido investimento médio de R$ 457,6 mil por quilômetro. O desembolso total nas concessionadas baixou de R$ 8,6 bilhões para R$ 5,3 bilhões no intervalo em questão.
Uma avaliação divulgada pela KPMG em abril mostra que a concessão de rodovias à iniciativa privada se mostrou a melhor solução para atender às necessidades do país. A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) acompanha atualmente 22 concessões de rodovias em um total de 10,3 mil quilômetros.
Mais rodovias podem ser transferidas à inciativa privada. Treze estados pretendem licitar mais de 8 mil quilômetros, enquanto o governo federal tem em seu planejamento a licitação de 17 mil quilômetros.
Segundo a Associação Brasileira de Concessões de Rodovias (ABCR), caso os leilões se concretizem, o setor mais do que duplicará de tamanho.
Qual a situação das rodovias concessionadas e das públicas
A pesquisa CNT de Rodovias, divulgada em dezembro, mostra que 74,3% das rodovias concessionadas estavam em ótimo ou bom estado de conservação. Entre as públicas, a proporção de estradas em boas ou óticas condições despencava para 28,2%.
Das dez melhores rodovias do país, todas localizadas em São Paulo e de jurisdição estadual, apenas uma, e justamente a melhor, está sob gestão pública. É o trecho de 185 quilômetros da SP-320, entre Mirassol e Rubinéia, no Noroeste paulista.
A melhor federal aparece em 15.ª posição no ranking: é o trecho de 247 quilômetros da BR-020 entre Guarani de Goiás e Formosa, que está sob gestão pública.
Entre as piores rodovias, todas estão sob gestão pública, e estão espalhadas pelo Norte, Nordeste e Sul do país. Duas delas são federais e oito estaduais. A pior federal é o trecho da BR-163 ligando as cidades catarinenses de São Miguel do Oeste e Dionísio Cerqueira, em um total de 59 quilômetros. Já a pior estadual fica no Acre, um trajeto de 64 quilômetros da AC-405, entre Mâncio Lima e Rodrigues Alves.
Quais os limites do investimento privado nas rodovias
O modelo de licitações, entretanto, tem limites, aponta a gerente executiva de economia da CNT, Fernanda Schwantes. “O investimento privado é complementar ao público. Não há concessões totais”, diz ela.
O presidente da consultoria Inter.B, Cláudio Fritschak, aponta que é preciso continuar com a inovação nas concessões. E concorda com a gerente da CNT que é preciso criar espaço fiscal para garantir mais investimentos por parte do setor público.
Há exemplos recentes de desgaste do atual modelo de licitações. O leilão da rodovia Presidente Dutra (BR-116), que liga o Rio a São Paulo e é considerada “joia da coroa” da infraestrutura brasileira, só atraiu dois concorrentes. E leilões de projetos importantes como as BRs 381 e 262, entre São Paulo e Governador Valadares (MG), e no trecho Norte do Rodoanel paulista não atraíram interessados.
Se faltam interessados para rodovias movimentadas, maior ainda é o desafio de atrair investidores para outras estradas. Um texto para discussão do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), de autoria de Rennaly Patrício Sousa e Edison Benedito da Silva Filho, analisa alternativas aos modelos de concessão existentes tais como o uso de fundos públicos, a concessão por meio de blocos de projetos (conhecido no setor como “filé com osso”) e o sistema de câmaras de compensação.
Segundo os especialistas, a sustentabilidade dos modelos propostos no estudo está sujeita ao fortalecimento institucional e aos mecanismos de governança, envolvendo não apenas questões legais, mas também custos políticos.
“Ao optar por um modelo que se mostre mais adequado ao projeto, o governo deve observar não apenas os custos totais dessa iniciativa, mas também os custos de oportunidade e riscos envolvidos nas etapas, uma vez que os projetos envolvem arranjos complexos e longos prazos de execução”, cita o estudo.
Sousa e Silva Filho apontam que implementar soluções híbridas que se adequem às condições econômicas e ao marco institucional consolidado no país, sem afastar a participação ainda relevante do crédito público, permite ampliar o papel desempenhado pelo setor privado na capitalização desses projetos.
Fonte: Gazeta do Povo Foto: Divulgação/CNT