GP - Efeito coronavírus: soja vive “sonho impossível” de colheita e preços recordes
06 de maio, 2020
"Diante da maior safra da história do país, perto de 252 milhões de toneladas no ciclo 2019/2020, um cenário previsível seria o de agricultores lamentando a relação inversamente proporcional que costuma ser regra entre o tamanho das colheitas e o valor das commodities agrícolas. Mas o impacto do coronavírus na economia mundial virou essa equação de cabeça para baixo e criou um momento inédito para a soja: nunca, com safra recorde, se vendeu tanta leguminosa brasileira em um espaço tão curto de tempo e a um preço tão elevado em moeda nacional.
Em termos absolutos, a cotação da soja na Bolsa de Chicago continua num nível baixo, de US$ 8,36 o bushel (27,21 kg), quando, três anos atrás, antes da guerra comercial entre China e Estados Unidos, flutuava entre US$ 9 e US$ 10 o bushel. A disparada do dólar no Brasil, no entanto, fez o produtor receber até R$ 107 pela saca de 60 kg, um recorde histórico que se manteve mesmo em meio à colheita da supersafra de verão de 124 milhões de toneladas.
“É uma situação inédita. Normalmente, numa safra tão grande, a sazonalidade pesa e acaba impedindo que o preço suba. Os produtores estão comercializando em um nível recorde, tanto a safra disponível como a próxima safra de verão, de 2021”, diz o analista Luiz Fernando Gutierrez, da consultoria Safras & Mercado. Ele aponta que os agricultores já venderam cerca de 80% da safra atual, quando, o normal, nessa época, seria em torno de 56%. E das lavouras que ainda serão plantadas, a partir de setembro, já foram negociadas 25%, quando a média nesta altura do ano seria de 8%.
O Porto de Paranaguá, maior terminal graneleiro do país, é o termômetro do ritmo febril das exportações de soja. Nos quatro primeiros meses, Paranaguá embarcou praticamente metade de todo o volume da soja exportada pelo terminal no ano passado, que chegou a 11,29 milhões de toneladas. Foram 5,8 milhões de toneladas de janeiro a abril, contra 3,8 milhões no quadrimestre do ano anterior, um aumento de 48%. Os embarques de óleo de soja também surpreenderam, crescendo 52% no comparativo quadrimestral, de 193,4 mil toneladas para 294,6 mil toneladas. No período, o farelo de soja teve um crescimento mais tímido, de apenas 3%, de 1,83 milhão de toneladas para 1,89 milhão. O tempo seco ajudou na quebra de recordes, já que não houve quase interrupções das operações de carregamento dos navios. De janeiro a abril, 93 navios zarparam de Paranaguá carregados de soja, contra 76 no mesmo período do ano passado. “Fizemos ajustes operacionais de toda ordem para que nas mesmas 24 horas haja um rendimento maior desde a recepção da carga, manejo nos terminais e embarques nos navios”, conta o diretor-presidente da Portos do Paraná, Luiz Fernando Garcia.
Fator coronavírus
“A pandemia tem ajudado a soja”, constata o consultor de agronegócios Vlamir Brandalizze. “O setor não pode reclamar da pandemia, por que está sendo beneficiado por todo esse movimento do câmbio. O mercado internacional pressiona o petróleo para baixo e valoriza o dólar, e isso está dando condição favorável ao produtor”. É preciso acrescentar a esse cenário o ingrediente doméstico, segundo Luiz Fernando, da Safras & Mercado: “a questão do coronavírus é fundamental para explicar essa valorização em três meses; mas a questão política interna também ajuda (na alta do dólar), e tem ainda a queda da taxa de juros, que provoca a fuga de capitais do Brasil. Esses três fatores trouxeram a valorização recente e devem manter certa firmeza para o câmbio”.
Para coroar a combinação de fatores favoráveis ao produtor, até mesmo os insumos importados, como fertilizantes e defensivos agrícolas, devem ficar mais baratos em dólar. “O custo dos fertilizantes é atrelado ao petróleo. Com isso, a extração dos fertilizantes fica mais barata”, observa Brandalizze. Ele lembra ainda que os insumos importados representam no máximo 30% dos custos de produção da soja. E alguns custos internos, como combustíveis e óleo diesel, estão em baixa.
Se não fosse a crise do coronavírus, é provável que o mercado atual estivesse comercializando soja entre 85 e 90 reais, no máximo, e não acima de R$ 100. O fato de que um quarto da próxima safra já foi comercializado em contratos futuros mostra que os produtores estão muito atentos ao mercado. “O produtor de soja que não foi afetado pela estiagem está vivendo o melhor momento de sua história. E já tem grandes oportunidades para 2021. Talvez os melhores momentos da soja para a safra do ano que vem estão ocorrendo agora, com cotação de R$ 102 a R$ 103 a saca”, enfatiza Brandalizze.
O presidente da Associação dos Produtores de Soja no Paraná (Aprosoja-PR), Marcio Bonesi, de Goioerê, reconhece que a safra de 2020 ficará na história. Ele ressalva, no entanto, que muitos produtores comercializaram a safra bem abaixo dos preços correntes, por que, na hora de comprar insumos, travaram parte da colheita em valores entre R$ 70 e R$ 78 a saca. "O produtor vinha bastante contratado, mas o restante da safra, com certeza está sendo comercializado a um preço muito bom". O que preocupa, segundo Bonesi, é o custo dos fertilizantes e a estiagem que já se abate sobre a segunda safra, a safrinha de milho e de trigo. "É um ano que a gente visualiza um cenário muito bom, mas não podemos esquecer que viemos de uma safra de soja muito pequena no ano retrasado. E com a alta do dólar os insumos ficam muito caros; por fim, a chegada da chuva é determinante para salvar alguma coisa da produção da safrinha no Paraná", conclui.
Altos e baixos são próprios da atividade agrícola. No ano passado, o produtor Odair Trevisan, 62, de Rolândia, no Norte do Paraná, travou a safra de verão que acabou de colher em R$ 80 a saca. "Era um preço bom, mas quando fui receber, o mercado já estava pagando mais. Agora vendi antecipado 25% da safra que ainda vou plantar, a R$ 90 a saca. O mercado é uma coisa traiçoeira, tanto pode subir como cair, e esse dólar no preço que está é uma coisa absurda", observa. "É um alívio raro. Agora já estamos passando por um problema sério na safrinha de milho, precisando de chuva, com perdas em muitos lugares. Sempre falo: temos que aproveitar os anos bons para sobreviver nos anos ruins, por que eles vêm também".
Fonte: Gazeta do Povo Foto: Michel Willian