CONJUR - Dúvidas do novo modelo de PLR com a Medida Provisória 905/2019

CONJUR - Dúvidas do novo modelo de PLR com a Medida Provisória 905/2019

11 de dezembro, 2019

A Medida Provisória 905 de 11 de novembro de 2019, não se pode negar, surpreendeu a todos em razão da pretensão de uma segunda Reforma Trabalhista em dois anos de vigência da Lei 13.467/17. Também causou espanto seu conteúdo contraditório especialmente ao tratar do valor do negociado sobre o legislado. No caso das alterações propostas na Lei 10.101/00, que trata da Participação nos Lucros ou Resultados das empresas merecem destaque e reflexão alguns aspectos.

Primeiramente, a participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados das empresas desvinculada da remuneração tem previsão constitucional (artigo 7º, XI) e a iniciativa normativa teve início em 1994 e, desde então, tem ocupado cenário de integração de trabalhadores por meio de negociações coletivas. Portanto, os pontos básicos para o sistema funcionar são, dentre outros, a não obrigatoriedade, integração pela negociação, incentivo fiscal para as empresas.

A MP 905 trouxe alterações fundamentais quanto (i) à formação de comissão de trabalhadores; (ii) critérios de programas de PLR; (iii) negociação direta com empregado nas condições do parágrafo único do artigo 444 da CLT; (iv) natureza jurídica e extensão do campo de aplicação.

Sobre a forma de negociação (i), a MP 794/94, que deu impulso às discussões do modelo que seria adotado pela lei, não contemplava a integração de representante do sindicato na comissão dos trabalhadores (“Toda empresa deverá convencionar com seus empregados, mediante negociação coletiva, a forma de participação destes em seus lucros ou resultados”). Segundo as discussões da época, a exclusão do sindicato violaria a CF, em especial o artigo 8º, inciso VI, que garante a participação dos sindicatos em negociações coletivas.

O ministro do STF, Ilmar Galvão, suspendeu os efeitos da expressão “por meio de comissão por eles escolhida” (ADI 1361-1). Somente com a MP 1.539-34, de 7 de agosto de 1997, foi inserida a integração de representante do sindicato na comissão de trabalhadores. A MP 1698-46, de 30 de junho de 1998, alterou o disposto no artigo 2º para acrescentar a negociação por convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, que parecia a forma definitiva daí em diante.

Todavia, a MP 905 quebrou esta continuidade e não se refere mais à integração de representante de sindicato na comissão de negociação. Deixou o empregador livre para negociar com seus trabalhadores de forma conjunta e não mais por sindicato de categoria. Neste sentido, talvez a implantação de PLR na empresa seja a forma mais integrativa entre o capital e trabalho, envolvendo os trabalhadores do conjunto da companhia, sem classificações nem separações ou intervenções muitas vezes políticas. Neste modelo proposto pela MP, a impressão que deixa é que os empregados terão um olhar para dentro do negócio e que pode mudar o comprometimento no seu conjunto e, com isso, valorizar o emprego em vista de resultado de futuro próximo.

Os critérios de programas múltiplos (ii) de PLR (artigo 1º, parágrafo 5º: II - estabelecer múltiplos programas de participação nos lucros ou nos resultados, observada a periodicidade estabelecida pelo § 1º do artigo 3º) abrem oportunidades para que as empresas estabeleçam programas de resultados por setor, estabelecimento ou que, no mesmo plano, contemplem setores com resultados de metas diferentes entre si. O fundamento jurídico, amparado no parágrafo 6º, é a prevalência do princípio da autonomia da vontade de forma absoluta.

Nestes casos as negociações concluídas enfrentarão a jurisprudência consolidada do TST na Súmula 451 que impõe, sob pena de violação do princípio da isonomia, o pagamento da proporcionalidade da distribuição de valores de PLR nas rescisões ocorridas durante o período de apuração.

A MP 905 rompe com a solidariedade do grupo de trabalhadores e permite que para aqueles empregados que se convencionou chamar de “hipersuficientes” (artigo 444, § único da CLT) que o empregador negocie diretamente e, deste modo, seguindo o que se disse anteriormente, crie um PLR específico para este grupo de trabalhadores (§ 10. A participação nos lucros ou nos resultados de que trata esta Lei poderá ser fixada diretamente com o empregado de que trata o parágrafo único do artigo 444 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei 5.452, de 1º de maio de 1943).

A natureza jurídica de valores distribuídos e extensão do campo de aplicação (iv) também recebeu na MP 905 tratamento que altera a finalidade proposta inicialmente pela lei do PLR e inclui o artigo 5º que atribui natureza jurídica de PLR a prêmios ajustados unilateralmente ou não pelo empregador a empregado ou grupo de empregados, valendo tal distribuição também para fundações e associações sob condições que enumera (“São válidos os prêmios de que tratam os § 2º e § 4º do artigo 457 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-lei 5.452, de 1943, e a alínea “z” do § 9º do artigo 28 desta Lei, independentemente da forma de seu de pagamento e do meio utilizado para a sua fixação, inclusive por ato unilateral do empregador, ajuste deste com o empregado ou grupo de empregados, bem como por norma coletiva, inclusive quando pagos por fundações e associações, desde que sejam observados os seguintes requisitos”).

Neste último aspecto, com todo respeito, o prêmio de que trata a MP não se ajusta ao valor jurídico das importâncias recebidas pelo empregado em Plano de PLR porque possuem condicionamentos diversos e independem de negociação por meio de comissão para sua validade. Dentre os requisitos desafiadores de identificar prêmio com excludente da natureza salarial está a condição de pagamento baseado em “desempenho superior ao ordinariamente esperado” (inciso II) com as regras que devem ser previamente estabelecidas (inciso IV). No nosso sentir, a previsibilidade de desempenho não se compatibiliza com ausência de expectativa de recebimento.

Enfim, comentar Medida Provisória, especialmente quando ela é injustificável tecnicamente, é um desafio porque, embora vigente e com efeitos jurídicos, pode até nem ser votada ao final. A inquietação sinaliza mais um episódio histórico das mudanças trabalhistas.

Fonte: CONJUR/Paulo Sergio João

 

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